O Sebastianismo

02/12/2011 16:26

 

     O sebastianismo foi uma crença desenvolvida por um movimento social místico-secular surgido em Portugal na metade do século XII, através do desaparecimento do rei D. Sebastião no conflito de Alcácer-Quiber (1578) para libertar os lusos do domínio espanhol. Devido à ausência de herdeiros, assume o trono de Portugal um rei espanhol chamado Filipe II. Esse movimento é basicamente formado pelo messianismo, ou seja, devido à situação política a qual se encontrava Portugal (e ainda mais sendo controlado por um espanhol) e entre outros fatores. O povo português ainda acreditava que o seu país seria salvo de maneira miraculosa por um morto ilustre (D. Sebastião), pois as pessoas que faziam parte desse movimento social religioso esperavam pelo messias-português. Relata a lenda que o D. Sebastião continuava vivo, mas só apareceria na hora certa para tomar o trono e expulsar os estrangeiros.

    É nesse contexto que podemos identificar na obra de Almeida Garrett em sua peça intitulada Frei Luiz de Sousa a presença marcante e explicita do movimento social (sebastianismo) a qual renasce em um momento crítico referente à nacionalidade, servindo assim de fonte inspiradora para Garrett na criação da peça citada acima. Nesse sentido o autor como também outros cultivaram o sebastianismo em suas obras literárias.

    A peça é criada partindo da trágica historia entre Manuel de Sousa Coutinho e Madalena Vilhena. Madalena era casada com D. João de Portugal a qual foi rotulado como morto durante a Batalha de Alcácer-Quiber no país africano. Passando um bom tempo, Madalena casa-se com Manuel Coutinho.Depois de ter passado muitos anos o seu marido volta como romeiro e apresenta-se a ela. Após a descoberta, Madalena e Manuel angustiam-se, pois sabem que estão desonrados e são pecadores. Portanto, decidem ingressar na religião. Ele torna-se assim Frei Luiz de Sousa. O trecho a seguir mostra a descoberta da verdade:

CENA XIV

MADALENA, JORGE, ROMEIRO 

JORGE 

— Sois português?

ROMEIRO 

— Como os melhores, espero em Deus.

JORGE 

— E vindes?

 ROMEIRO 

— Do Santo Sepulcro de Jesus Cristo.

JORGE 

— [5] E visitastes todos os Santo Lugares?

 ROMEIRO 

— Não os visitei; morei lá vinte anos cumpridos.

MADALENA 

— Santa vida levastes, bom romeiro. 

ROMEIRO 

— Oxalá! Padeci muita fome, e não a sofri com paciência; deram-me muitos tratos, e nem sempre os levei com os olhos naquele que ali tinha padecido tanto por mim… Queria rezar e meditar nos mistérios da Sagrada Paixão que ali se obrou… e as paixões mundanas, e as lembranças dos que se chamavam meus segundo a carne travavam-me do coração e do espírito, que os não deixavam estar com Deus, nem naquela terra que é toda sua. Oh! eu não merecia estar onde estive: bem vedes que não soube morrer lá.

JORGE 

— Pois bem: Deus quis trazer-vos a terra de vossos pais; e quando for sua vontade, ireis morrer sossegado nos braços de vossos filhos.

ROMEIRO 

— [10] Eu não tenho filhos, padre.

JORGE

— No seio de vossa família…

ROMEIRO 

— A minha família… Já não tenho família.

 MADALENA 

— Sempre há parentes, amigos…

ROMEIRO 

— Parentes!… Os mais chegados, os que eu me importava

achar… contaram com a minha morte, fizeram a sua felicidade com

ela; hão-de jurar que me não conhecem.

MADALENA 

— [15] Haverá tão má gente… e tão vil, que tal faça.

 ROMEIRO 

— Necessidade pode muito. Deus lho perdoará, se puder!

 MADALENA 

— Não façais juízos temerários, bom romeiro.

 ROMEIRO 

— Não faço. De parentes, já sei mais do que queria. Amigos,

tenho um; com esse conto.

 JORGE 

— Já não sois tão infeliz.

 MADALENA 

— E o que eu puder fazer-vos, todo o amparo e agasalho que puder dar-vos, contai comigo, bom velho, e com meu marido, que há-de folgar de vos proteger…

 ROMEIRO 

— Eu já vos pedi alguma coisa, senhora?

MADALENA 

— Pois perdoai, se vos ofendi, amigo.

 ROMEIRO 

— Não há ofensa verdadeira senão as que se fazem a Deus.

Pedi-lhe vós perdão a Ele, que vos não faltara de quê.

MADALENA

— Não, irmão, não, decerto. E Ele terá compaixão de mim.

 ROMEIRO 

— [15] Terá…

 JORGE (cortando a conversação) 

— Bom velho, dissestes trazer um recado a esta dama: dai-lho já, que havereis mister de ir descansar…

ROMEIRO (sorrindo amargamente) 

— Quereis lembrar-me que estou abusando da paciência com que me têm ouvido? Fizestes bem, padre: eu ia-me esquecendo… talvez me esquecesse de todo da mensagem a que vim… Estou tão velho e mudado do que fui!

MADALENA 

— Deixai, deixai, não importa, eu folgo de vos ouvir: dir-me-eis vosso recado quando quiserdes… logo, amanhã… ROMEIRO

— Hoje há-de ser. Há três dias que não durmo nem descanso nem pousei esta cabeça nem pararam estes pés dia nem noite, para chegar aqui hoje, para vos dar meu recado… e morrer depois… ainda que morresse depois; porque jurei… faz hoje um ano… quando me libertaram, dei juramento sobre a pedra santa do Sepulcro de Cristo…

 MADALENA 

— [30] Pois éreis cativo em Jerusalém?

 ROMEIRO 

— Era; não vos disse que vivi lá vinte anos?

MADALENA 

— Sim, mas…

 ROMEIRO 

— Mas o juramento que dei foi que, antes de um ano cumprido, estaria diante de vós, e vos daria da parte de quem me mandou…

 MADALENA (aterrada)

— E quem vos mandou, homem?

 ROMEIRO 

— [35] Um homem foi, e um honrado homem… a quem unicamente devi a liberdade… a ninguém mais. Jurei fazer-lhe a vontade, e vim.

MADALENA 

— Como se chama?

 ROMEIRO 

— O seu nome, nem o da sua gente nunca o disse a ninguém no

cativeiro.

 MADALENA 

— Mas, enfim, dizei vós…

ROMEIRO 

— As suas palavras trago-as escritas no coração com as lágrimas de sangue que lhe vi chorar, que muitas vezes me caíram nestas mãos, que me correram por estas faces. Ninguém o consolava senão eu… e Deus! Vede se me esqueceriam as suas palavras.

 JORGE 

— [40] Homem, acabai!

ROMEIRO 

— Agora acabo; sofrei, que ele também sofreu muito. Aqui estão as suas palavras: “Ide a D. Madalena de Vilhena, e dizei-lhe que um homem que muito bem lhe quis… aqui está vivo… por seu mal… e daqui não pode sair nem mandar-lhe novas suas, de há vinte anos que o trouxeram cativo”.

 MADALENA (na maior ansiedade) 

— Deus tenha misericórdia de mim! E esse homem, esse homem… Jesus! esse homem era… esse homem tinha sido… levaram-no aí de donde?… de África?

 ROMEIRO 

— Levaram.

 MADALENA 

— Cativo?

ROMEIRO 

— [45] Sim.

 MADALENA 

— Português!… cativo da batalha de?…

 ROMEIRO 

— De Alcácer-Quibir.

 MADALENA (espavorida) 

— Meu Deus, meu Deus! Que se não abre a terra debaixo de meus pés… Que não caem estas paredes, que me não sepultam já aqui?…

 

JORGE 

— Calai-vos, D. Madalena! A misericórdia de Deus é infinita. Esperai. Eu duvido, eu não creio… estas não são cousas para se crerem de leve.  (Reflecte, e logo como por uma idéia que lhe acudiu de repente.) Oh ! inspiração divina…  (chegando ao romeiro) . Conheceis bem esse homem, romeiro, não é assim?

 ROMEIRO

— [50] Como a mim mesmo.

 JORGE 

— Se o víreis… ainda que fora noutros trajos… com menos

anos, pintado, digamos, conhecê-lo-eis?

 ROMEIRO 

— Como se me visse a mim mesmo num espelho.

 JORGE 

— Procurai nesses retratos, e dizei-me se algum deles pode ser.

ROMEIRO (sem procurar, e apontando logo para o retrato de D. João)

— É aquele.

 MADALENA (com um grito espantoso) 

— Minha filha, minha filha, minha filha!…  (Em tom cavo e profundo.) Estou… estás… perdidas, desonradas… infames!  (Com outro grito do coração.) Oh! minha filha, minha filha!…  (Foge espavorida e neste gritar.)

 

CENA XV

JORGE e o ROMEIRO, que seguiu MADALENA com os olhos, e está alçado no meio da casa, com aspecto severo e tremendo

 JORGE 

— Romeiro, romeiro, quem és tu?

 ROMEIRO (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal)

— Ninguém! (Frei Jorge cai prostrado no chão, com os braços estendidos diante da tribuna. O pano desce lentamente.)

Quando observamos essa parte percebemos a dramaticidade do episódio, porque a princípio Frei Jorge e Madalena não sabem que diante deles está D. João. No desenrolar da conversa o romeiro fornece vários indícios para descobrirem a sua verdadeira identidade. Mas é apenas no final que Madalena e Frei Jorge descobrem o mistério do tal romeiro.

Referencias:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sebastianismo

https://www.citi.pt/cultura/historia/personalidades/d_sebastiao/garrett.html

https://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/freiluisdesouza

https://www.prof2000.pt/users/jsafonso/Port/Mensagem.htm

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